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Cristandade x Cristianismo

Atualizado: 28 de set. de 2020

Há cerca de 20 anos que atuo com educação, todas as vezes que tenho que falar sobre a cultura ocidental, torna-se urgente falar de um de nossos principais núcleos ético-míticos (definição de Paul Ricoeur para Ethos, enquanto modo de ser de um povo) que é a Cristandade Medieval.

Não nos foi ensinado, principalmente por grande parte das lideranças de nossas igrejas cristãs a distinguir o que é a Cristandade Medieval e o que é o Cristianismo.



Cristianismo é a religião - conjunto de crenças que formam uma cencepção a cerca do sagrado - formada pela experiência do povo judeu que acreditou que Jesus de Nazaré, um pobre carpinteiro (ou construtor), era o Cristo, o messias esperado, o ungido. Importante notar que o judaísmo permanece ainda hoje esperando o messias, o eslamismo advém da mesma raíz monoteísta que data do séc. XIV a.c., mas acredita que seu messias é o profeta Maomé.

A principal base da religião cristã é a Bíblia, enquanto relato de uma comunidade de fé e da ação do Espírito Santo em seu meio. Para a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) além da Bíblia, há as verdades do Magistério da Igreja e do respeito à tradição apostólica. A Igreja Católica, a expressão mais antiga hoje existente, dividiu-se em Igreja Católica Apostólica Romana e as igrejas orientais, que hoje somam 23 igrejas. Além da Igreja Católica, no século XVI d.c. com a Reforma Protestante, surgem as igrejas protestantes e delas o Pentecostalismo e o Neopentecostalismo. Note-se que há um pluriverso e dentro de cada uma dessas ramificações e movimentos, há subigrejas, diversas teologias e ritos.


Dito o que é o cristianismo de forma geral, vamos à definição de Cristandade, que também não é simples. A Cristandade, em nossa cultura ocidental, ocorre no período da Idade Média que dura mais ou menos do séc. V d.c. ao Séc. XV d.c.


A definição de Cristandade tem, em sua essência, um contraste com a definição de cristianismo que vimos anteriormente. Agora citarei - numa tradução minha - um breve trecho da história que Enrique Dussel nos conta em seu texto: Desintegracion de la Cristiandad Colonial y Liberación e já volto:


É muito bem conhecido, e entre nós Ignacio Ellacuria (El Salvador) deixou claro, que Cristo cumpriu uma clara função profética de crítica ao Estado de seu tempo. Sua crítica foi dirigida contra o estado colonial da Palestina de seu tempo (estado monárquico exercido por Herodes), dependente do estado imperial romano (estado militar escravo, mas ao mesmo tempo mercantil, como indica Darcy Ribeiro). O statuto crítico social subversivo do Evangelho foi indicado por Belo em seu trabalho sobre o Evangelho de Marcos. O discurso de Cristo é disfuncional em relação às estruturas econômicas e político-ideológicas da produção asiática em sua pátria.
Do mesmo modo, dentro do império escravo romano, os cristãos primitivos realizaram uma obra de crítica profética no nível político. O crime A política de não adorar César é um exemplo bem conhecido. Subversivo antes do estado, a igreja primitiva mereceu perseguição, a repressão de um estado em plena consciência da periculosidade da pregação da utopia escatológica cristã. O imperialismo militar escravo, no entanto, é apenas um antecedente primitivo e ingênuo do estado imperial de nosso tempo. Desde o século IV, primeiro no reino da Armênia, em seguida, por meio de Constantino no Império Bizantino (Constantinopla foi fundada em 330), e mais tarde no germânica-cristandade latina, a igreja foi lentamente se comprometer com o estado. Na Europa feudal e da existência no início do século IX século do Sacro Império Romano, novamente a igreja quase se identifica com os órgãos do poder político e quase sacraliza o modo de produção feudal. Leia, por exemplo, na Summa theologiae 11-11, q. 57, art. 4, como só o senhor feudal é propriamente parte da sociedade política e exerce sobre o servo um iustum dominativum. A igreja vem assim cumprir, freqüentemente, a função da justificação ideológica em sua região religioso-teológica (e foi a instância determinante na formação social medieval) do modo dominante de produção. O estado, órgão do poder do estado de classe da nobreza, viveu sob a tutela de a igreja, sem conflito essencial, até que a ordem feudal entrou em crise no século XIV. Por outro lado, a formação social hispânica seguiu outro caminho. Ela chegou atrasada. O feudalismo da Europa central e, por outro lado, teve a contribuição de novas formas de produção que para o Mediterrâneo, o norte da África do Saara trouxe para os califados árabes península e comunidades judaicas e o comércio nascente Catalão (que olhou para a Itália renascentista). A luta da reconquista contra o Árabes (que começou em 718), o poder dos nobres que lutaram contra os infiéis e os privilégios das cidades fizeram o estado monárquico nunca fora da expressão do feudalismo, mas nem da burguesia recente. Em efeito, o casamento dos Reis Católicos, Isabella de Castela e Fernando de Aragão, permitiu a unidade da península, mas não eliminou as contradições.
É apenas com o imperador Carlos V, através do ouro e da prata da América, que o Estado monárquico se torna absoluto, derrotando a primeira revolução burguesa da Europa (os comuneros que defenderam os foros das cidades) em Villalar, em 23 de Abril, 1521, para sujeitar aos nobres e comprá-los com a riqueza (e transformando-os em cortesãos) ou enviaando-os às lutas da conquista da América. Nesta história, uma igreja muito forte ao longo do processo de reconquista, castelos, exércitos (como o arcebispo de Toledo), como a primeira proprietária de terras do reino, cada vez mais perde o poder frente ao estado monárquico. A "Reforma de Cisneros", o grande Arcebispo de Toledo no momento da descoberta da América, acaba desmantelar o significado político da igreja. O "patronato" acaba dominando a igreja e a constitui, de fato, em um instituição dominada pelo estado monárquico absoluto. A coroa não vai tolerar a crítica política profética da igreja. A Cristandade hispânica tinha como cabeça ao rei. A monarquia, o primeiro Estado-nação europeu, semifeudal e semimercantil, e desde a descoberta preponderantemente comercial, será a fonte, o núcleo eo centro do estado que organizou o cristianismo das Índias Ocidentais.

Pois bem, esta grande citação, pela qual desculpo-me, mostra de forma muito didática que há uma "inversão" do cristianismo que passa de ateu dos deuses romanos - e de seus valores culturais -, pelo que foram duramente perseguidos e martirizados desde o ano 50 até 313, e torna-se a religião oficial do Império. Mas não é que houve uma

transformação, não, o cristianismo continuou existindo contra o que agora se impõe como Cristandade. O Estado - poder instituído - cristão. Já não tem mais nada a ver com Jesus e com sua mensagem de um Reino de Justiça, solidariedade. Inclusive a Cruzada e a Inquisição mostram justamente o contrário, os valores do triunfalismo, da conquista, do imperialismo, da violência ao diferente, ao pobre, a morte à alteridade.

Perceba a complexidade de o cristianismo subsistir mesmo às vezes, dentro do espaço totalmente anti-cristão que tornou-se a cristandade. É Francisco de Assis, sobrevivendo à Igreja rica e não cristã...É papa Francisco sendo o papa e lutando contra à riqueza da Igreja para torná-la mais cristã...



Perceba portanto, que grande pate dos que se auto-denominam cristãos hoje, mas que demonstram práticas que apenas têm a ver com o mantenimento e preservação de ideologias políticas, econômicas, interesses não espirituais, mesmo dizendo que são, estão ligados à esta tradição da cristandade. Ouso dizer que grande parte dos cristãos de hoje são cristãos da cristandade e não do cristianismo...

E pior, cristãos de outro Deus, que não é o Bíblico, ou da tradição apostólica ou que o magistério afirma, mais velho que o próprio cristianismo, Mamon, justamente, qual Lucas (6:13) adverte ser o negador de qualquer valor cristão. Esse me parece ser o anticristo, qual hoje é cultuado em grande parte das igrejas que se dizem cristãs. Sobretudo igrejas e movimentos espiritualizados ao triunfalismo e à Prosperidade. É preciso voltarmos às origens. Às raízes e tentarmos entender o que deu errado. Parece-me que como a cultura ocidental corre risco, também o cristianismo o corre.

E a Cristandade cresce exponencialmente em nossa cultura, mas agora, não como imperial-romana, mas para manter os valores do NeoliberalismEstamos sob uma Cristandade Neoliberal?


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