Sobre a Filosofia e a Parresia (coragem da Verdade)...
- Hugo Allan Matos
- 29 de out. de 2019
- 5 min de leitura
(atente-se para as referências nas imagens a textos filosóficos complementares)
Diz-se que Filosofar é buscar à Verdade... Uma busca de quem sabe que lhe falta e que não vai conquistá-la, uma busca de algo que fundamenta sua existência, mas inalcansável em sua totalidade...
A figura da/o filósof@ sempre foi associada a algo nocivo à sociedade comum em geral, à sociedade hegemonica, justamente porque a filosofia fica como o instrumento que auxilia a ter consciência do desvelamento (Aletheia)das verdades em uma determinada sociedade. Seria o bem mal visto, mas desejado, difícil de ser aceito, mas querido...
Contudo, no período da Modernidade - que é um momento histórico controverso e com variedades a depender de cada país, período especificamente europeu, entendendo que a própria divisão da história em Antiga, Medieval e Moderna é ideológica e aplicável apenas a um pequeno grupo de países europeus - há o intento de gerir uma visão de mundo que possa ser universalizada, de tal forma que o modo de compreensão da realidade de intelectuais desse pequeno grupo de países europeus fosse a compreensão (universal) do mundo. Essa compreensão, realizou uma releitura da história a partir de si mesma (Europa) como centro geográfico, político, econômico e cultural...
Daí a invenção do mapa mundi que fora naturalizada por nós e que tem a Europa, apesar de tão pequena e insignificante em toda a história do mundo até aquele momento, no centro do mundo (e essa argumentação e imposição dessa visão só foi possível graças à invasão e saque da América Latina):
Como se encontra o centro da superfície de uma circunferência? Não há centro! Qualquer planificação possível é ideológica, no sentido de necessitar de um conjunto de ideias que sustente esse centro por motivos situacionais, interessados e NUNCA naturais. Repito: não há centro numa circunferência! (E aqui não vou dar espaço para a infértil discussão de Terra plana, que interessa justamente, por motivos ideológicos, mistificar o planeta como não esférico - sem centro).
O Eurocentrismo, ideologia moderna imposta pela violência e por mecanismos de controle ideológico fez com que um pequeno centro (e pequeno mesmo) pudesse conquistar a hegemonia política, econômica e cultural do globo, impondo seu modelo de Estado, sua economia, sua cultura como única possibilidade de ser. Dentro da própria Europa, há multiplicidades, alteridades negadas neste processo. Não podemos confundir a ideologia eurocêntrica com a cultura europeia, que é vasta e áltera que também são suprimidas pelo processo globalizatório eurocêntrico.
Há Filosofias europeias e há filosofias eurocêntricas. As filosofias eurocêntricas auxiliaram na gestão dessa concepção ideológica de eurocentrismo. Desde Bacon, Descartes...passando por Hume, Locke, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche...até a tualidade: Freud, Heidegger, Sartre, Habermas...todos estes e muitos outros, de alguma maneira, auxiliaram na manutenção da ideologia eurocêntrica, pensando a partir da Europa como centro do mundo. Muitos destes, destacadamente Kant, Hegel, Heidegger e Habermas além de pensarem a partir da Europa como centro do mundo, em seus textos, de alguma forma, negaram a possibilidade de outros povos fazerem o mesmo. Posturas explicitamente "racistas" (Locke por exemplo era associado a uma empresa de importação de escravos...) contra africanos negros, contra latino-americanos, asiáticos...posturas germanocêntricas, etc.
O problema maior é que filósofos/as brasileir@s, para nos atermos em nosso país, até hoje, conscientemente ou não, acreditaram, incutiram que não podemos filosofar. E grande parte da história da filosofia no Brasil e sobretudo hoje, nos igualamos aos "papagaios e aos macacos" (para citar não literalmente uma fala de Eduardo Galeano: ...vamos continuar sendo como macacos e papagaios? Aqueles que repetem, que imitam? Vamos continuar imitando a triste caricatura daqueles que se fizeram centro? Ou vamos aspirar, forjar, construir outros mundos possíveis?"). Grande parte da filosofia realizada no Brasil, na universidade brasileira, é a importação, comentários, traduções... das teorias eurocêntricas daqueles que dizem que não somos capazes de filosofar.
Quando não isso, um grande tempo e energia gastos em infindáveis, improdutivas e herméticas discussões para meia dúzia de iniciados no seletista e aparthista e inacessível vocabulário rebuscado filosófico a respeito da natureza da filosofia. Há uma ânsia, uma forjada e intensa necessidade de a todo momento justificar-se à Filosofia, sua utilidade ou não, as possíves variantes das infinitas possibilidades do filosofar em suas variadas perspectivas metodológicas de cada filósofo importantíssimo e não possível de ser ignorado ao fazer filosófico.
Ora, voltar às perguntas "o que é filosofia?" ou "como filosofar?" ou ainda "critérios para filosofias legítimas", na maioria das vezes, não seriam elas mesmas um desvio consciente da questão? Por que até a modernidade - se pensarmos dentro da divisão ideológica eurocêntrica de história - a história da filosofia - se entendermos que ela começa na Grécia, o que nego - não se realizou sistematicamente estas perguntas? O que faziam os filósofos e as filósofas? Filosofavam. Buscavam à verdade e tinham coragem dela! Pensavam nos problemas de seu lugar, de sua época, buscando resoluções, problematizando, refletindo sobre eles...
Neste momento de crise fundamental do "mito da modernidade", qual seja: a crise dos fundamentos de um modelo de sociedade - Estado de Direito burguês, economia capitalista, sociedade comercial urbana, desenvolvimentismo científico e industrial em detrimento da vida...- que fora imposto como único possível, urge retomarmos à história da filosofia, dela nos apropriarmos e continuar filosofando para além da ideologia eurocêntrica. E isso não quer dizer negar nossa herança "ocidental", europeia, mas termos a liberdade de poder dela nos apropriarmos do que nos interessa e é bom para nós, enquanto povo. E junto a isso, pensar em modelos de Estado, economias, culturas, modelos sociais...desde aqui, de nossas realidades...
Há muita filosofia produzida sobre isso na América Latina, já na invasão europeia. Desde os bispos Montesinos, Bartolomé de las Casas...Passando por toda uma discussão sobre a "Libertação Mental" no século XIX e no século XX o pensamento (e as filosofias) de libertação desde a década de 1940, com maior produção frente às ditaduras militares a partir da década de 1960. Desde um movimento originado com José Gaos, Ortega y Gasset, Leopoldo Zéa, Enrique Dussel, Dina Picotti (não conseguiria citar muit@s aqui, mas são centenas) e tantos outros e outras que até hoje alertaram sobre a ideologia eurocêntrica e passaram a fazer filosofia...E é incrível como filósof@s do mainstream filosófico brasileiro, que por pressão realizada internamente nas universidades, pelos estudantes, para não terem suas salas esvaziadas e seu trabalho questionado, agora passam a escrever sobre filosofia brasileira e afins, mas pasmén, muitas vezes vão buscar em filósofos eurocêntricos conceitos para pensar sua própria realidade. É o que sabem fazer! E neste sentido, há aqui, um clamor a uma paciência histórica, mas também uma firmeza de poder dizer: por favor, se querem fazer isso: reaprendam!
A busca pela verdade, carece desde o início da filosofia, de humildade. E se podemos dizer que entendemos algo sobre o caráter da filosofia, dentre infinitas outras possibilidades, é a busca dos que não sabem, não possuem, a filosofia é antes de tudo, uma atitude de aprendizado junto àquel@s que querem aprendê-la...
Para auxiliar na compreensão deste momento da globalização eurocêntrica, sugiro o documentário:
Um introdutório, mas profundo texto sobre esta virada epistemológica necessária, para entender à modernidade é 1492: o Encobrimento do Outro: O mito da Modernidade. De Enrique Dussel.
A obra "Filosofía Latinoamericana cómo Filosofía sin Más" de Leopoldo Zea é outra obra que trata da temática. Sugiro muito este vídeo em celebração aos 50 anos desta obra:
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