Prefeito de São Bernardo passa a usar o look em ascensão do "Espetáculo do circo dos horrores": a tornozeleira.
- Hugo Allan Matos
- 15 de ago.
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Quem diria que, em pleno 2025, um dos acessórios mais vestidos entre parte da elite política e dos ricos brasileiros não é mais a faixa presidencial, o broche partidário ou o relógio caro, mas a tornozeleira eletrônica, um objeto que, mais do que vigiar, serve para mostrar à população que “algo está sendo feito”.
Marcelo Lima, prefeito afastado de São Bernardo do Campo, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, é só o mais recente a entrar para essa lista. Antes dele, vieram Bolsonaro, Collor, Marcos do Val, Geddel, Palocci… transformados em personagens de um espetáculo em que a “punição” se mede pela exposição na TV, não pela reparação dos danos. Para essa elite e para muitos ricos, prisão nunca é cela: é casa confortável, varanda gourmet, endereço de luxo e, muitas vezes, o direito de continuar recebendo dinheiro público, como no caso de Bolsonaro.
A presunção de inocência, que é um valor essencial numa democracia, aqui vira escudo seletivo: protege os de cima e raramente chega aos de baixo. Nas periferias, não existe tornozeleira: existe caixão. Para o jovem negro e pobre, a suspeita não leva a medidas cautelares, mas à morte. Foi assim com Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, morto por engano pela polícia em Julho passado, sem direito a julgamento ou defesa. Sua história não teve longas reportagens sobre garantias processuais, nem perícia transmitida ao vivo. Não houve tornozeleira, nem medida alternativa: houve tiro.
O Estado que garante direitos para uns se torna, para outros, executor. O “contrato social” é desigual: uns têm advogados caros e prazo garantido; outros têm apenas a vulnerabilidade de um corpo marcado pela cor, etnia, gênero e pelo lugar onde vivem. O aumento de tornozeleiras entre políticos e ricos parece ser o novo sabor da velha pizza. Antes, a impunidade se resolvia em gabinetes: processos que prescreviam, CPIs que não davam em nada, arquivos que sumiam. Agora, a receita mudou na aparência, mas não no conteúdo: põe-se um equipamento no tornozelo, mostra-se na TV e pronto, a mensagem é que “a lei vale para todos”.
Só que, na maioria das vezes, o final é o mesmo: absolvição, prescrição, pena reduzida. A tornozeleira vira símbolo de ação para a opinião pública e, ao mesmo tempo, uma forma de evitar que alguém importante seja colocado numa cela comum. E parece que as mídias em geral, inclusive as de esquerda celebram e comemoram isso em um punitivismo gourmetizado que “passa pano” e ajudam, ainda que sem querer, na impressão de que está sendo feito algo, os rios estão sendo presos. Essa diferença mostra o tamanho da desigualdade.
Enquanto políticos e ricos acusados podem cumprir medidas em casa, com todos os confortos, jovens como Guilherme perdem a vida sem nem chegar a um julgamento. Quando aceitamos que uns usem tornozeleira como acessório e outros mortalha como destino, estamos dizendo que a justiça no Brasil tem dois pesos e duas medidas. Não defendo o punitivismo. Mas a moda das tornozeleiras não me engana e penso que não podemos nos conformar com tão pouco.
Se a impunidade agora veste tornozeleira passou da hora de perguntar: queremos justiça ou só um espetáculo com figurinos novos? Porque um país que normaliza a morte precoce e injusta de jovens como Guilherme Dias Santos Ferreira, enquanto protege políticos e ricos acusados com cuidados especiais, não está mudando sua ética, está só trocando o cenário. E, quando o teatro acaba, quem segue morrendo no escuro espetáculo do circo dos horrores são sempre os mesmos.
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