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A Santidade dos Pés no Chão: Viver o Sagrado no Coração do Mundo


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Por muito tempo, construiu-se uma imagem de santidade como fuga: subir ao monte, afastar-se do “mundo”, cultivar uma pureza que se define por isolamento. Criou-se a ilusão de que Deus habita apenas um lado do muro, e que ser santo é abandonar o que é humano, cotidiano, material. No entanto, uma leitura honesta do Novo Testamento revela exatamente o contrário: a santidade não é o desprezo do mundo, mas a sua vivência transformada. O mundo não é inimigo de Deus, mas palco do seu amor. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele” (Jo 3,16-17). Uma santidade que se define pela fuga contradiz o próprio movimento de Deus, que mergulhou na história pela encarnação.

Jesus é o modelo dessa santidade encarnada: o Santo que se sentava à mesa com pecadores. “Não necessitam de médico os que têm saúde, mas sim os doentes. Ide, aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Pois não vim chamar justos, mas pecadores” (Mt 9,12-13). Sua santidade não se protegia do contato, mas se oferecia como cura. Ele foi acusado de ser “amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11,19), e é precisamente nisso que se revela a verdade de sua missão: trazer de volta à comunhão aqueles que a religião e a sociedade haviam excluído. Uma santidade que se isola, portanto, é contrária ao evangelho.

Ser santo não é erguer discursos vazios ou pregações ocas, mas viver de modo coerente com a fé. “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai” (Mt 7,21). Santidade é testemunho vivido: “Vós sois a luz do mundo […] Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,14-16). A luz não existe para si mesma, mas para iluminar. Da mesma forma, a fé sem obras é morta (Tg 2,17). É no serviço, na partilha e no perdão que a santidade se manifesta, como sal misturado à comida, como fermento que se mistura à massa (cf. Mt 13,33).

O Novo Testamento insiste que a santidade não é perfeição moral, mas graça acolhida em meio à fragilidade. Paulo confessa: “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7,19). Reconhecer-se pecador não exclui a santidade, mas a torna autêntica, porque a raiz dela é a graça: “A minha graça te basta, porque é na fraqueza que se manifesta a força” (2Cor 12,9). Ser santo não é achar-se puro, mas depender da misericórdia, e assim viver em compaixão. Por isso Pedro escreve: “Sede santos, porque eu sou santo” (1Pd 1,16), mas imediatamente exorta a uma vida que, “entre os gentios”, seja testemunho de boas obras (1Pd 2,12).

Essa santidade dos pés no chão não se dá no isolamento, mas na vida concreta. Jesus, depois da transfiguração no monte, não permanece na glória, mas desce ao encontro das multidões sofredoras (cf. Mc 9,14). Da mesma forma, a santidade cristã não se realiza no claustro da fuga, mas no chão das cidades, nas casas, nos trabalhos, nas dores e alegrias do cotidiano. “Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do mal” (Jo 17,15): eis a oração de Jesus. O discípulo é chamado a estar no mundo, sem se deixar moldar por suas injustiças (Rm 12,2), mas sem desprezá-lo, pois é mundo amado por Deus.

Ser santo é viver no meio do mundo com a lógica invertida do Evangelho: partilhar em vez de acumular, perdoar em vez de vingar, servir em vez de dominar, amar em vez de excluir. É, como Jesus, misturar-se sem perder a identidade, encarnar-se sem se corromper, tornar-se luz e sal em meio às sombras e insipiências. O santo não é quem se retira do mundo, mas quem o habita de modo diferente, tornando sua própria vida uma pregação viva. É ter os pés firmes na terra, reconhecendo-se pecador e limitado, mas o coração voltado para o Reino.

Assim, a santidade no Novo Testamento é missão: não o privilégio de alguns, nem a pureza inalcançável de outros, mas a vocação de todos os que, no meio da vida comum, permitem que a graça transpareça em seus gestos. Santidade é fazer do cotidiano um sacramento de Deus. Não é subir ao monte para fugir da realidade, mas descer dele para amar, servir e transformar.

 
 
 

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